O dia 30 de janeiro foi escolhido pela ONU como o Dia Mundial da Não Violência. A data tem um significado, pois nesse dia em 1948 Mahatma Gandhi era assassinado em uma emboscada executada por um nacionalista e religioso fanático. Sua morte violenta soa como um contraponto triste a sua vida marcada pela militância com base na não-violência. A vida de Gandhi se confunde com a história da primeira metade do século XX. Revolucionário para alguns; profeta para outros, Gandhi teve um papel essencial na independência da Índia ao converter ensinamentos religiosos em pressupostos que orientaram a revolução contra o poder dominante da Inglaterra.
Em um país onde a religião exerce uma forte influência no cotidiano das pessoas, fazer a ponte entre a fé e o poder do estado de forma pragmática era o único caminho para se estabelecer um novo governo legítimo. Para Gandhi, isso só poderia ser feito por meio da não violência, o que ele estabeleceu em sua Satyagahara, uma composição de palavras em sânscrito significa “constância da verdade”. Dentro desta visão, o poder somente seria legítimo se fosse conquistado quando seu rival notasse suas próprias fraquezas e erros, sem que se imprimisse qualquer sofrimento sistemático a ele.
Dentro desta ideia, Gandhi conduziu seus seguidores a adotarem uma postura de não cooperação com os britânicos, enfraquecendo o poder da coroa por meio de protestos, boicotes e da Desobediência Civil, o desrespeito a leis que sejam injustas e que fortaleçam um único grupo. Não havia o confronto físico ou de ideias. Para um satyagahari, aquele que segue a Satyagahara, a não violência coloca o “adversário” em uma posição de interlocução, o objetivo não é simplesmente conquistá-lo e, sim, convertê-lo, demonstrar a verdade, de modo que a convivência entres todos seja harmônica.
A força da não-violência é justamente o seu impacto simbólico no outro. Explicamos. A não-violência não é simplesmente uma estratégia de confronto é uma forma de encarar a vida em grupo, de observar o seu papel junto ao papel dos outros. Para os indianos, o papel dos ingleses era colonizar a Índia, ao passo que papel deles era resistir a esta dominação, de modo tal que era preciso demonstrar aos britânicos que a colonização era injusta e levava a uma desarmonia. Novamente, a força é a demonstração de respeito ao outro, de não lhe inflingir sofrimento.
Você deve estar pensando, mas como não ser violento em um mundo tão cercado de violência? Pode parecer paradoxal, mas somos menos violentos.
Bom, essa é a tese do professor Steven Pinker, da Universidade de Harvard¹. Para ele, a violência é cada vez mais simbólica do que uma prática comum significativa. Se olharmos para 200 anos atrás, a violência era praticada de forma sistemática contra crianças, mulheres e minorias ou, ainda, em batalhas sangrentas e desnecessárias. Atualmente, a violência é simbólica, pois tem um valor em si: um ato violento é tão pulsante em nossas vidas que nos causa repulsa, justamente por não ser um ato ordinário.
O mesmo vale para nossas relações pessoais, que são muito mais cordiais e respeitosas, tratar alguém mal ou de forma humilhante também passou a ser visto como um valor negativo. No entanto, ainda assim podemos ter alguns comportamentos “reflexos”, isto é, uma reação involuntária às pessoas ou ao ambiente e com isso agirmos de forma ríspida ou ofensiva com alguém.
De modo geral pode se notar que violência como forma de reação não nos ajuda a construir relacionamentos significativos ou uma sociedade mais harmônica. Compreender os pressupostos da não-violência é também compreender que nossos atos transmitem significados às pessoas ao nosso redor e que eles podem causar algum tipo de incômodo ou sofrimento. Sendo este o primeiro passo para estabelecermos uma relações mais saudáveis com aqueles que estão a nossa volta.
Por isso essa data ser tão importante. O dia 30 de Janeiro é um dia para pensarmos na não-violência, revisitarmos nossos hábitos, refletirmos sobre nosso comportamento e avaliarmos de que modo podemos mudar a forma como nos comunicamos e nos relacionamos com o outro. Basta lembrar sempre o que dizia Gandhi sobre o tema: “A força gerada pela não violência é infinitamente maior do que a força de todas as armas inventadas pela engenhosidade do homem.”
¹ Pinker, Steven. The Better Angels of Our Nature: Why Violence Has Declined. New York: Viking, 2011
Equipe de consultores Univoz
Especialistas em comunicação não violenta
Publicado em janeiro/2018