A comunicação é um fenômeno um tanto quanto complexo. Embora a gente só veja seu produto final, é um grande desafio explicar porque a simples articulação da boca ou a movimentação das mãos transmite tantos significados. Além disso, para complicar um pouco mais, aprendemos a gostar e a nos expressar por meio da música.
Ninguém irá negar que a comunicação linguística é essencial para nossa vida. É por meio dela que podemos recorrer ao passado, planejar o futuro e compreender a existência de coisas tão abstratas como o amor ou o que é uma democracia. Sem ela, estamos eternamente presos no presente, vendo e compreendendo apenas o que está a nossa frente. Para alguns estudiosos, a fala foi o elemento que nos elevou a outra condição, pois nos permitiu transmitir conhecimentos de uma geração para outra, em um acúmulo contínuo.
Então poderíamos dizer que é possível viver sem a música? Claro! Mas a forma como a gente sente e percebe o mundo seria bem sem graça. De toda forma é inegável que poderíamos viver sem ouvir a nona sinfonia de Beethoven ou uma canção de Frank Sinatra sem grandes perdas. Essa ideia levou William James, o “pai” da Psicologia, a dizer em finais do século XIX que a música “entrou pelas portas dos fundos” da nossa mente, ela não teve um papel determinante na formação da nossa psique, mas se tornou fundamental na nossa relação com o meio.
Não só Wiliam James pensava assim, autores contemporâneos, como o psicólogo e professor de Harvard, Steven Pinker e o neurocientista Oliver Sacks também adotam essa posição. No entanto, a questão que perturba esses pesquisadores é a relação entre língua e música: somos a única espécie linguística e somos também a única espécie musical e isso não deve ter acontecido por acaso.
Você provavelmente deve estar pensando: “não somos a única espécie musical, os pássaros também cantam”. Sim, é verdade, mas o canto dos pássaros é altamente limitado a alguns contextos, como a corte, o aviso de perigo, a briga por território, etc, de modo que resta pouco espaço para a improvisação, ou seja, a composição. Já os humanos são capazes de compor um sem fim de músicas, sem depender do contexto. E, aliás, os únicos animais que reproduzem a voz humana são, veja só, os pássaros, mas isso é um outro assunto.
A relação entre o canto e a fala, ou entre a música e língua é um território que vem sendo explorado há pouco tempo. Alguns estudos, como o de o de Martin Albert e de Paula Martin, revelam que pacientes afásicos, ou seja, que perderam a capacidade de falar por algum trauma ou lesão cerebral, têm melhoras significativas quando expostos à terapia vocal que envolve música, em especial o canto. Outros casos reportados por Gottfried Schlaug demonstram que é a percepção da melodia o elemento fundamental na recuperação desses pacientes.
Já que estamos falando dos benefícios do canto para algumas doenças, aproveitamos para lembrar que alguns cientistas que estudam a perda da capacidade cognitiva como as demências, como o Alzheimer, acreditam que estudar mais, estimular todas as áreas cerebrais, desempenhar diversas habilidades como as artísticas, podem gerar uma “reserva cognitiva”. O cérebro teria mais resiliência, flexibilidade, adaptabilidade ou proteção ao dano cerebral. Então, praticar habilidades cerebrais relacionadas a música, seja tocando um instrumento ou cantando, poderia proteger nosso cérebro.
Muito ainda vamos descobrir sobre as influências que nosso cérebro sofre com diferentes estímulos. Mas estes estudos já demonstram que há uma forte relação entre a fala e a música, não apenas em sua função terapêutica, mas também neurológica, de modo que uma está diretamente relacionada com a outra: a fala tem melodia, assim como a música e tem ritmo também, assim como a música. Dessa forma, a música, mais especificamente o canto, abre uma nova janela de percepção, compreendemos melhor a nossa expressividade e a nossa voz, pois temos de nos ouvir quando cantamos, o que nos dá uma nova dimensão para a nossa comunicação falada.
Cantar é uma excelente ferramenta para aprimorarmos a nossa expressividade. Note como as canções revelam ou despertam os nossos sentimentos, apenas com suas melodias. Desenvolver a sensibilidade para captar essas variações melódicas e utilizá-las em nossas interações no dia-a-dia não é difícil, na realidade não é nenhum pouco difícil, é uma questão de treino e estar atento e conectado a sua expressividade.