Há alguns domingos atrás o programa Fantástico, da Rede Globo, lançou um quadro sobre o medo de falar em público. Chamado de “Olha quem fala”, a série busca retratar as principais dificuldades e, é claro, as principais técnicas para se falar em público.
Vale a pena ampliarmos o tema e detalharmos o que entendemos sobre Glossofobia. Essa é palavra do momento.
Glossa, em grego, significa língua/fala, fobia, por sua vez, quer dizer medo, pavor. O medo é considerado uma emoção básica, pois vem “instalado” em todos os seres humanos, independentemente de qualquer outro traço. Evolutivamente, ele contribuiu para que aprendêssemos a nos preservar, pois servia como um aviso de que uma determinada situação era possivelmente prejudicial.
Imagine-se em uma selva há 20 mil anos atrás, um grande vulto aparece ao seu lado. Em um primeiro momento sua reação é a de temor, que se torna ansiedade, pois não se sabe se o vulto é uma árvore ou um urso. A situação de possível perigo coloca seu corpo em um estado de apreensão máxima, de modo tal que será necessário enfrentar ou fugir da situação de possível dano.
Claro, mudam-se os tempos, mudam-se os medos. Durante a Idade Média surgiu a ideia de que os “destemidos” eram heróis, pois enfrentavam, sem pensar, as mais variadas situações de perigo. Ao longo do tempo criamos recursos para garantirmos nossa segurança, de modo que o medo de um vulto parecia ser um pouco exagerado. Por outro lado, nossa evolução social nos levou a criar novas situações, as quais podem gerar alguma sensação de medo: foi preciso criar o elevador, para existir o medo de elevador.
Ok, o elevador representa um perigo de vida, porém sentir medo em outras situações, como é o caso de falar em público, é um pouco mais complexo. Apresentar-se para uma plateia não representa perigo ou dano à vida, mas está relacionado a fatos sociais, como o julgamento do público, o que pode causar um dano ao self, isto é, a autoestima, a figura que nós construímos de nós mesmos. O dano ao self é bastante prejudicial para nós que somos seres sociais, pois podemos passar a questionar a nossa aceitação pelos outros e desenvolver algum tipo de distúrbio de ansiedade, por exemplo.
Ainda assim, sentir medo é tão natural quanto sentir fome. Aliás, diversas evidências apontam que a parte do cérebro responsável pelas emoções, é também responsável pelas necessidades humanas mais básicas. Porém, se concentrar em situações possivelmente perigosas, estando fora delas, pode nos levar a desenvolver algum transtorno. Nestes casos, a ansiedade do possível perigo se torna tão presente que o indivíduo simplesmente procura evita-lo a todo custo: é a partir daí que as fobias se desenvolvem. Porque acontecem? Como acontecem? E quais os tratamentos? São respostas que dependem de uma análise caso a caso.
Em resumo:
- Ter medo é positivo, nos ajudou a sobreviver em um tempo que o ambiente era mais hostil;
- Não ter medo é positivo, nos faz ter um papel social privilegiado de enfrentamento de situações.
Essa oposição de forças o tornou algo ambíguo: precisamos sentir medo, mas não gostamos de sentir. O medo funciona como um instinto de preservação, quando notamos que não há mais riscos ele se dissipa, mas ao mesmo tempo pode representar um mecanismo que freia nossas ações, se pensarmos que a situação de perigo é constante.
Voltemos para a situação de falar em público: o medo não é diferente. É natural ter receio de falar para um público, e é natural que esse medo se dissolva ou que seja controlado com o treino, com o autoconhecimento de seu perfil de comunicador, com ajustes de pequenas imperfeições na comunicação e com o hábito de se expor ao público. Mas, se não percorrermos esse caminho, é possível que ele se fortaleça ao ponto de se tornar uma glossofobia. Muitas pessoas não chegam a desenvolver a fobia em si, mas o prejuízo ao self ou a autoestima não compensa o risco de enfrentar uma plateia.
Nos dois casos, essa situação as leva a acionar os mecanismos de autopreservação, ou seja, o medo. E isso desencadeia sensações físicas comuns, como a sudorese, aceleração da respiração e dos batimentos cardíacos, tensão muscular, etc. No caso da fobia, as sensações são menos sutis e podem levar a pessoa a ter náuseas, crises mais graves de respiração e, até mesmo, ataques de pânico.
Um dado significativo: de acordo com a Associação Americana de Psicologia, na América Latina, apenas de 2 a 4% da população tem algum tipo mais extremo considerado como fobia social, incluindo o medo de falar em público.
Neste ponto, é importante fazer uma distinção. Existem graus variados do enfrentamento ou da negação do enfrentamento para falar em público. Existem aquelas pessoas que têm inibição, vergonha de se expor. Outras não sentem timidez propriamente dita, mas um receio de ao falar em público cometer erros e, por esse motivo não o fazem. O grau de rejeição se amplia quando alguém sente medo da situação de apresentação e, até mesmo, em graus mais amplos a fobia social. Completa-se a essa escala o fato que existem aquelas pessoas que não falam bem diante de um público. Falar bem e ter medo de falar são coisas distintas, mas que estão conectadas em grande parte das vezes. O medo de falar, torna a apresentação atravancada, difícil para o público; em outros casos, a sensação de que a forma como você fala não agrada seu público é o que pode disparar essa ansiedade e transformá-la em medo.
O importante é compreender que ter receio ou não gostar da situação de falar em público é comum (51% das pessoas em São Paulo dizem ter medo para falar em público) e que graus mais acentuados podem causar maiores prejuízos e transtornos. Este é um tema longo, por isso vamos continuar falando sobre ele em nossos próximos artigos. Não deixe de acompanhar!
O medo é uma das emoções básicas que podemos sentir e falar em público é quase uma necessidade nos dias atuais. A combinação dessas duas coisas pode atrapalhar muita gente a se desenvolver. No artigo “De onde vem o medo de falar em público” apresentamos um pouco como o medo de falar em público se construiu e como podemos enfrenta-lo em nosso cotidiano. Não deixe de ler.